2027 D.C

Petrópolis - Rio de Janeiro

 

         Um grupo de jovens escoteiros patrulha uma das mais altas áreas da mata atlântica do Brasil. Eles estavam no topo de uma das enormes ravinas da mata de Petrópolis, que eles chamavam de Pico do Uivo.

 

         O lugar era de fato, um território onde Lobos Guarás se reuniam em noites muito quentes, como foi registrado nos ‘Oito dias de Inferno’ em que a cidade ficou em estado de emergência máxima. Nesses oito dias do mês de Janeiro, os termômetros da cidade registraram a sensação térmica de cinquenta graus Celsius durante o dia e de trinta e oito durante a noite.

 

         O mais velho dos seis, Sargento Bitencourt, era além de capitão dos escoteiros e dos bombeiros, o principal ativista do Alerta Verde, grupo que estudava e divulgava as alterações na fauna e flora causadas pelo Ser Humano.

 

-         Quantas mesmo você contou nesse último vídeo? - Pergunta o sargento, enquanto vasculhava as redondezas com seus binóculos.

-         Senhor… De ontem para hoje eu já contei isso mais de cinco vezes! - Eduardo, um dos escoteiros, coloca os óculos e checa sua enorme câmera digital. - Foram trinta Lobos Guará!

-         E eles estavam famintos. - Diz um outro escoteiro, enquanto movia com as botas uma carcaça de um animal retalhado. - Parece um porco… Ou um bode… O que acham?

-         Você sabe que é mais um cão doméstico, Fred. Se enganar é bem pior. - Sargento Bitencourt joga para eles um grande saco preto. - É nossa responsabilidade garotos!

 

         Eles colocaram a carcaça do cachorro no saco preto e então retornaram para a cidade através de uma longa e sinuosa trilha que eles mesmos abriram.

         A prefeitura da cidade havia cedido para os escoteiros, uma sala e uma garagem num dos prédios próximos a principal trilha de entrada para a floresta.

         Quando eles chegaram a sede, como era já habitual nos últimos meses, uma aglomeração de pessoas os esperavam. Eram famílias aflitas com fotos e imagens de cães e gatos desaparecidos.

         Sargento Bitencourt logo recolheu todas as imagens e abriu o portão da garagem para seu grupo. - Atenção todos! Dessa vez achamos apenas a carcaça de um cachorro! Voltarei em breve com a identificação desse animal.  

         Eles entraram na sala, que era equipada com modernos equipamentos de veterinária, e colocaram a carcaça do cachorro em cima de uma grande mesa branca.  O sargento colocou as imagens espalhadas pela mesa e posicionou a carcaça de frente. - O que acham?

 

-         Talvez o “Kikito”?

-         Não… está mais para o “Indomado”.

-         Sim, é ele…- O sargento pega a foto do pastor alemão “Indomado” e analisa meticulosamente com a carcaça.

-         É ele. - Eduardo tira algumas fotos da carcaça. - Posso ir até lá, sargento?

-         Sim, pode ir.

 

         Quando eles liberaram a carcaça para a família, se juntaram numa grande mesa que ficava na garagem para a reunião que eles faziam sempre após alguma missão na floresta.

 

-         A coisa está séria! - Um deles inicia a reunião.

-         Sim. - O sargento estende a mão para Eduardo pedindo a câmera digital. -  O comportamento dos animais está mudando porque a área verde vem diminuindo muito! Os Lobos Guará não estão somente agitados, eles estão desesperados e furiosos!

-         O senhor irá contá-los de novo?

-         Não. Precisamos é entender o comportamento deles. Em vinte anos de escoteiro eu nunca vi esses animais agindo assim! Garotos, eles estão andando em alcateias como os lobos do norte! Isso não está certo!  - Ele inicia o vídeo.

-         Eles parecem uivar para o céu! - Diz Vitor, um dos mais experientes do grupo.

-         Sim. Isso é estranho. - Diz o Capitão. - Nunca vi eles agindo assim! Sempre que fazem isso, uma chacina de animais domésticos acontece.

-         Isso não conta como dado de pesquisa, mas sabemos que as famílias da roça relatam ataques a seres humanos a anos! - Grita gabriel, desabafando.

-         Acho que todos devemos desculpas a você, Gabriel. - Eduardo diz, depois de um longo silêncio.

 

         Gabriel era muito quieto e fechado. Nas missões na floresta, ele quase não conversava com o grupo. Ele se concentrava no som e na brisa da mata, como se quisesse ler seu idioma. Três anos atrás, Gabriel havia escrito um livro. O título, apesar de parecer coisa de fantasia, era na verdade a própria classificação científica para a espécie do Lobo Guará: Lycalopex. Neste livro, Gabriel investigava a relação histórica entre o Lobo Guará e o ser humano.

         Gabriel apontou dados que indicavam uma drástica diminuição da tolerância e do medo desses animais em relação a nós. Apesar de ser rico em dados e muito bem escrito, o livro de Gabriel não foi aceito em nenhuma das editoras do gênero científico. O motivo era seu Grand Finale. Após longos textos ricos em dados e pesquisas, ele concluía seu argumento com uma assustadora previsão do comportamento dos Lobos Guará. Segundo ele, a mudança comportamental da espécie culminaria num terrível frenesi assassino. Para exemplificar, ele citou a ira de um licantropo, ou lobisomen.

         A comunidade científica ignorou o texto e enviou uma carta para ele dizendo que a evolução das espécies era um assunto demasiadamente sério para um garoto que ainda nem terminou a faculdade e que ainda não sabe diferenciar realidade e ficção.

 

-         “E eles irão uivar de tanta ira”. - Gabriel pronuncia um dos trechos finais de seu livro, quebrando o gélido silêncio que tomava conta da reunião.

 

         Ao anoitecer, quando eles já se preparavam para irem embora da sede dos escoteiros, uivos furiosos desceram da floresta carregados pelo vento.

 

-         Soem os alarmes! - Gritou o sargento Bittencourt, se levantando e correndo até o armário das espingardas. - Que Deus nos ajude.

 

 

- FIM -